Muito além da estética, as cores em uma produção cinematográfica vão além de compor o cenário e o figurino apenas para embeleza-los. Elas ajudam a contar a história de forma associativa, construindo um significado maior para os objetos retratados na tela. Um filme bem produzido conta com uma paleta de cores única, própria e que, de certa forma, dá maior veracidade ao texto fílmico. Tudo o que está exposto no vídeo tem um significado, e com as cores não seria diferente. Nada está ali por acaso.
Mas afinal, o que é uma cor? O olho é o órgão capaz de captar a luz exterior, que será convertida em informações e decodificada pelo cérebro. Sendo assim, a tonalidade de um determinado objeto não pertence àquele objeto, tendo em vista que é perceptível de forma diferente por cada indivíduo. O mais interessante é que, além de enxergarmos as cores de formas particulares, elas também nos afetam psicologicamente de forma única. Esses impactos psicológicos causados pelas cores são utilizados por cineastas e diretores de fotografia.
Os artistas e os profissionais de produções audiovisuais costumam se valer do senso comum para empregar as cores em suas produções. Por exemplo, o vermelho e o preto geralmente são usados para caracterizar o vilão da trama, seja em suas vestes ou no cenário a sua volta. Não basta apenas afirmar que o vilão tem uma personalidade má, é preciso comprovar essa característica usando todos os recursos midiáticos possíveis, inclusive as cores, que são parte fundamental da construção de uma identidade imagética.
O filme Alice no País das Maravilhas (2010), de Tim Burton, se vale de uma paleta vibrante para justificar seu tom fantasioso, maluco, divertido e ao mesmo tempo caótico. O espectro de cores varia drasticamente nos diversos cenários do filme, ora mais alegre, ora mais pesado. Com tons que variam desde um simpático verde claro, até um gritante tom vermelho.
A tonalidade vermelha é usada para indicar a presença da vilã Rainha de Copas. Essa cor foi escolhida devido a diversos fatores. Obviamente, o vermelho está ligado ao naipe de Copas, presente na grande maioria dos baralhos. Também está ligado à raiva, tendo em vista que a personagem é conhecida por está sempre irritada e gritando. A cor avermelhada também sugere “alerta”, indicando que é preciso tomar cuidado, pois ela é perigosa. Usualmente, o vermelho também está ligado à morte, ao sangue e à batalha.
Tudo o que remete à Rainha é apresentado na cor vermelha, comumente vinculada nesse filme à cor preta (que cria uma atmosfera sombria, pesada e carregada): os figurinos dela e dos demais personagens que a servem, os objetos ao seu redor, os cenários e até mesmo o céu. Isso serve não somente para reafirmar a crueldade da vilã, mas também, para indicar que tudo naquele ponto da história pertence a ela.
Contrapondo a impiedosa Rainha de Copas existe a Rainha Branca. A cor branca também não está lá aleatoriamente. No ocidente, o branco indica a pureza, a inocência, vide os vestidos de casamento, tradicionalmente brancos. Também é empregada para indicar a paz, sendo a pomba branca a ave símbolo dos manifestos pacifistas. Ainda, a cor branca indica a vida, o nascimento e a serenidade.
Combinada com o cinza claro (o cinza escuro criaria uma tensão nas cenas), a cor branca se manifesta em vários tons, para ser distribuída mais harmonicamente, sem criar uma sensação de vazio ou monotonia. Novamente, os cenários, objetos e figurinos são dispostos com essas cores para indicar a personalidade calma e bondosa da Rainha Branca e, também, para afirmar que aquele espaço lhe pertence.
Já o Chapeleiro Maluco e seus amigos são retratados com cores alegres como o verde e o laranja, contrastando com tons de lilás. Essas cores transmitem a sensação de descontração e bom humor, aliado à insanidade dos personagens. Também são cores que remetem ao chá que eles costumam tomar.
Esses tons sempre são apresentados em nuances alegres e vibrantes, mas quando os personagens estão tristes ou em perigo, as cores ganham um viés mais acinzentado.
O filme é cheio de detalhes que ratificam o que está expresso no roteiro, e com as cores não seria diferente. Sua importância é redobrada por se tratar de um filme fantasioso e mágico, mas a necessidade de se atentar à composição da paleta de cores se faz presente em qualquer obra visual. É necessário saber escolher bem as tonalidades e saber o que elas significam para o público alvo. Lembre-se: não se trata de gosto pessoal, mas sim, de um importante recurso da expressão imagética enquanto linguagem.
Por Gabriel Barros (Editado por Julia Rodrigues)