Há alguns anos nos deparamos com um termo de significado um tanto quanto incisivo, o famigerado cancelamento. O cancelamento é um assunto que frequentemente estava nos trending topics (algo que é mencionado com frequência) no Twitter.
Atualmente pode parecer um assunto um pouco ‘batido’ e que já não possui tanta relevância, mas os eventos recentes nos mostram o contrário. Porém antes é interessante entendermos o contexto que essa cultura do cancelamento está inserida.
O sociólogo e pesquisador em ciência da informação, Pierry Lévy (1999), tem a cibercultura como um conjunto de práticas, atitudes, pensamentos e valores que são desenvolvidos com o crescimento do ciberespaço, local de comunicação mundial ligadas por redes de computadores.
“Ah, mas o que isso tem a ver com o cancelamento? ”
E aqui eu te respondo, no âmbito da cibercultura temos informações e possibilidades, que podem ou não ser necessárias e até mesmo, corretas. Isso porque as redes disponibilizam serviços que geram novos espaços de encontros que criam e recriam identidades. Em outras palavras, no espaço virtual as pessoas podem ter comportamentos diferentes dos quais teriam na sua vida off-line (a não-virtual), dando a sensação do poder-ser e poder-fazer (CRUZ JUNIOR, 2010), quase uma onipotência.
E um detalhe sobre isso, não é por serem virtuais que esses espaços não existem, o ciberespaço é uma dimensão da realidade física na qual vivemos, ou seja, o que acontece nas redes sociais, vida on-line, afeta a vida off-line.
E é com isso que começamos a nossa crítica ao cancelamento, um movimento que começou com um propósito válido e nobre, de amplificar a voz de grupos que são considerados oprimidos pela sociedade – mulheres, negros, pobres, LGBTQI+ etc. – mas que foi perdendo o seu sentido inicial.
Em 2017 a cultura do cancelamento ganhou notoriedade graças ao movimento #MeToo. No qual eram feitos relatos, via Twitter, das vítimas de assédio sexual. O grande propósito desse movimento era denunciar os abusos e violências praticados por figuras públicas, que de outra forma não seriam penalizados por suas ações.
O movimento que iniciou como forma de justiça social perdeu sua característica principal: amplificar a voz dos oprimidos, para se tornar excludente em diversos níveis. Atualmente o cancelamento é feito a partir de opiniões, decisões e posturas que são contrárias ou diferentes daqueles que cancelam.
Um grande exemplo dessa transformação está no programa de reality show Big Brother Brasil e seus telespectadores. Considerada uma das edições com mais polêmicas dos últimos anos, o BBB21 conta com participantes que foram alvos do cancelamento devido à postura, atitudes ou falas dentro da casa (mais vigiada do Brasil).
E para quem acompanha esses casos, já sabe que muitas vezes eles geram ameaças a quem é cancelado, mas a repercussão de alguns é tão grande que chegam a ser feitas ameaças para membros da família, que ainda são menores de idade.
O STF se posiciona contra às práticas absolutistas, que rejeitam a pluralidade de pensamento, que é exatamente o que o cancelamento propõe. É importante destacar aqui que a pluralidade de pensamento e liberdade de expressão não dizem respeito ao preconceito e violência, já que são crimes.
Outro ponto que essa cultura toca é no amadurecimento, ou melhor dizendo, na crença de que as pessoas não amadurecem. Quando alguém é cancelado, uma das ações típicas dos canceladores é ir atrás de postagens antigas – normalmente de mais de cinco anos – a fim de comprometer a imagem do cancelado. De certa forma essa ação rejeita a ideia de que alguém mude com o passar dos anos, permanecendo na mesma mentalidade.
É inquestionável a força que o cancelamento possui, ainda mais pelo fato de ser realizado em sua maioria, virtualmente, dando a quem o faz a sensação de segurança e pertencimento ao realizarem linchamentos virtuais.
E é com isso que termino a minha acusação ao cancelamento. Ao invés de cancelar pessoas por ações que muitas vezes realizamos em contextos diferentes, por que não tentamos ensinar e aprender com elas? Dando chance para desenvolvimento e conhecimento.
Fontes utilizadas para esse artigo:
Pierre Lévy – Cibercultura (1999).
Gilson Cruz Junior – A ciber (cultura) corporal no contexto da rede: uma leitura sobre os jogos eletrônicos do século XXI (2010).