Em um dos episódios mais recentes da novela que é realidade brasileira, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, decidiu recolher o livro ‘Vingadores: A Cruzada das Crianças’ de 2016. Para justificar sua decisão, o político afirmou que a história em quadrinhos trazia conteúdo sexual impróprio para menores, e que a ação realizada então seria uma forma de proteção às crianças.
Se você não viu o conteúdo do livro, pode estar imaginando que o mesmo contém cenas de violência, sexo explícito ou consumo excessivo de drogas. Mas não, o que incomodou o prefeito foi um beijo. Sim, um simples beijo entre duas pessoas (ambas vestidas) que tinham uma relação romântica. A única “diferença” nessa troca de afeto é o fato de que os envolvidos são dois homens.
Ao vermos isso, nós podemos pensar “hmm, parece um tanto quanto homofóbico” ou “isso tem cara de censura”, mas fiquem tranquilos, porque o próprio Crivella nos assegurou que isso não é um nem outro, apenas se trata da proteção da família brasileira 🙂
Ora, se a questão aqui é o beijo ser impróprio, é direito nosso questionar porquê tal ação não foi realizada antes com outros livros, revistas ou HQs, que também contém beijos heterossexuais ou não.
Além do conteúdo sexual, temos também a violência e o consumo de drogas, ambos assuntos lembrados quando se criam as classificações indicativas, que são feitas pensadas na maturidade das crianças e dos adolescentes. No entanto esses tópicos não parecem ser importantes o suficiente para entrar em pauta quando o assunto é proteger as crianças, o que realmente importa é a sexualidade dos personagens. Bater e matar pessoas do mesmo sexo pode. Beijar não.
Com isso entramos na questão de ideologias e crenças pessoais, que no caso são de pessoas pertencentes à uma posição política com o poder de limitar o acesso do povo a determinado conteúdo e material. E é justamente por isso que devemos nos preocupar, pois isso nos coloca lado a lado com a censura. Esta discussão é uma que deveria ter sido levantada e ter recebido a devida atenção há muito tempo, já que ela trata do direito de todos os cidadãos.
Quando falamos de censura, não queremos dizer que é aquilo que você escolhe ver e mostrar dentro da sua casa, para seus amigos e familiares, é algo maior e mais significativo. A censura trata da liberdade de expressão, da proibição e controle do que é entregue pelo Estado e visto pelo cidadão, seja em forma de texto, vídeo ou música.
O que muitos podem não perceber é que a censura afetará a sociedade como um todo em momentos distintos. Um dia pessoas com ideias contrárias às suas são proibidas e privadas de se expressar e consumir conteúdos que desejam. A princípio isso não lhe afeta – como indivíduo – e até mesmo fica feliz já que tal ideologia está contida. No entanto, ao permitir que o governo faça isso uma vez, o mesmo está tensionado a repetição, com uma liberdade maior, já que de primeira não teve resistência de mais lados.
A limitação do acesso a diversos conteúdos para quaisquer fins que sejam, limitam o pensamento autônomo e abrem espaço para o controle de quem realiza a censura. É justamente esse domínio que não queremos, um monopólio que acaba com anos de luta de diversas comunidades que ainda buscam reconhecimento como membros na sociedade, como também destrói a democracia.
Sobre isso, ainda podemos acrescentar uma propaganda que foi vetada em abril desse ano (2019) pela presidência. A campanha tinha a proposta de mostrar a diversidade cultural de um banco, criando uma alusão com o povo brasileiro. Além disso, a intenção era obviamente, informar os serviços e diferenciais da estatal. O que não ficou claro até hoje é o motivo do veto de tal propaganda, já que a mesma não possui expressões, imagem visual ou sonora ou qualquer outro elemento que possa ser considerado inapropriado para qualquer idade. O que temos do presidente sobre a propaganda é uma simples frase “não é da minha linha”.
Inclusive o responsável pela propaganda, Delano Valentim, foi demitido por Rubem Novaes, a pedido de Bolsonaro. Ironicamente o motivo da sua demissão foi justamente fazer o que foi incumbido a ele: se aproximar dos jovens usando uma linguagem mais moderna, destacando os serviços via internet e que competisse com os bancos digitais.
Assista o vídeo abaixo e veja se gostou ou não, e se o motivo seria forte o suficiente para vetar a propaganda. Mas não se assuste caso não veja nada fora do comum ao ponto de criar uma insatisfação, a coisa parece muito mais pessoal.
Então, a partir disso fica o questionamento: o que o governo está fazendo com o país é proteção, ideologia ou censura? Se realmente for uma forma de proteger o povo, ou pelo menos parte dele, é realmente necessário ferir os demais? E se de fato for censura ou propagação de uma ideologia de ódio, é recomendável ficarmos quietos, sentados no conforto de nossas casas sem fazer nada para mudar isso?
Já passou da hora de pensarmos e refletirmos sobre a realidade brasileira. Se aconteceu com a propaganda e os quadrinhos, não vai demorar para atingir a sua opinião.
Uma resposta
Artigo interessante, irei até retornar ao seu site com mais
frequência, para mais artigos como estes. Obrigado. 🙂